A partir de hoje, Zaha Hadid, todos saberão que desembarcaste no aeroporto Carlos Drummond de Andrade numa segunda-feira do ano de 1991 trajando por sobre a silhueta corpulenta um negro e requintado vestido Issey Miyake, que trouxeste contigo um estudante de Singapura, cuja educação refinada remontava os impecáveis e íntegros códigos britânicos de conduta e que chegaste a Belo Horizonte conduzida pelo calcorrear inexplicável do mentecapto destino e pelas curvas improváveis e magníficas da arquitetura de Oscar Niemeyer.

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A partir de hoje, Zaha Hadid, todos saberão que trocaste o conforto de automóveis Mercedes-Benz pela cafonice estupenda de um Volkswagen Fusca rebaixado e equipado com rodas tala larga, que repousaste num quarto de hotel duas estrelas situado na praça Afonso Arinos e não em uma suíte presidencial, como de costume, e que visitaste o Museu de Arte da Pampulha sob a luz incandescente de um pôr do sol indizível, cujos raios pincelaram de poesia as formas do concreto maleável e as coloridas flores dos jardins sinuosos de Burle Marx.

A partir de hoje, Zaha Hadid, todos saberão que participaste de um Happy Hour regado a Coca-Cola, na altura do número 1.040 da Rua Rio Grande de Sul na companhia dos, à época, jovens e promissores arquitetos Isabela Vecci, Maria Lúcia Pecly e Paulo Dimas Menezes, que conheceste o animado e buliçoso espectro da noitada mineira nas dependências despojadas do tradicional Bar do Lulu e que perdeste o fôlego e o mau humor ao conhecer o singular pilotis, os díspares apartamentos e as tridentes colunas do Edifício JK.

image003A partir de hoje, Zaha Hadid, todos saberão que subiste no terraço do prédio que abrigou a sede do Banco do Estado de Minas Gerais e que se deparou com as montanhas dançantes da Serra do Curral, que vislumbraste a inverossímil pilha de placas horizontais superpostas e distanciadas por pequenos intervalos vazados do Edifício Niemeyer e que almoçaste numa pequena ilha às margens da Lagoa da Pampulha, tendo visto valsar do interior do salão circular da Casa do Baile a tortuosa, venerável e surpreendente marquise externa.

A partir de hoje, Zaha Hadid, todos saberão que encontraste paz sob a abóbada parabólica em concreto da Capela São Francisco de Assis e que estiveste diante da exótica Via Sacra retratada por Candido Portinari, que navegaste pelo espelho d’água no convés imaginário do Iate Tênis Clube e que experimentaste biscoitos de polvilho preparados pela Sra. Juracy Brasiliense Guerra na monumental sala de estar da Casa Kubitschek.

A partir de hoje, Zaha Hadid, e finalmente, todos saberão que incluíste parte da nossa memória arquitetônica nos teus traços primorosos e na tua profusa e notável biografia, que deixaste as pegadas do teu anômalo e prodigioso talento sobre a poeira de brilhantismo que recobre a genialidade “oscariana” incomensurável e que embriagaste de inspiração modernista e de colossal criatividade os teus sentidos, fazendo-os definitivamente exaltarem a organicidade do curvo em detrimento da inflexibilidade do retilíneo.

*Texto escrito por Revista Ernesto, inspirado no relato da arquiteta Isabela Vecci

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