pampulha_belohorizonte

por Flavio Carsalade*

“Sou do mundo, sou Minas Gerais”
(Milton Nascimento, Fernando Brant e Lô Borges)

“E como ficou chato ser moderno
Agora serei eterno.”
(Carlos Drummond de Andrade)

Dizem que mineiro esconde seus tesouros. Que não fala deles, que não faz alarde, guarda para si seus mistérios. Dizem que esses mistérios são lindos e que brilham como pedras preciosas. Ouro puro.

Convivemos desde sempre com a Pampulha. A maioria de nós, belorizontinos, nasceu já com a presença dela e conviveu com suas curvas e seus azuis desde sempre, nós todos, pela maior parte de nossas vidas. Mineiramente, dela não fizemos prosa e, como ali ela sempre esteve, era assim mesmo: linda, mas nossa. O mundo dela sabia – e muito, a gente gostava dela – e tanto, pronto: bastava. Jóia rara.

Casa do Baile | Foto: Jomar Bragança
Casa do Baile | Foto: Jomar Bragança

No âmago da jóia, em perfeito estado de brilho e modéstia, um importante capítulo da história mundial da arquitetura moderna, uma nova síntese, nas Américas, dos preceitos da nova arquitetura e das novas formas de viver, anunciadas a partir das primeiras décadas do século XX. Em sua matéria bem lapidada, o símbolo de uma interação universal e de um diálogo intercultural que resultou em apropriações muito particulares, mesclando tradições e valores locais a tendências universais e, em retorno, influenciando e modificando mundialmente o rumo dessas tendências. Na profundidade do cofre de sua história, pulsa o momento onde as jovens nações americanas buscavam a construção de suas identidades próprias. O Conjunto Moderno da Pampulha é a resposta da nossa nação às discussões internacionais então em curso, revelando a face brasileira autêntica, a nossa brasilidade.

No cabuchon de seu cinzelado, uma força que emana da formas de seus edifícios, da relação deles com a paisagem, da conversa que eles realizam entre si. Jóia absolutamente inaugural, apurada em uma linguagem arquitetônica única, baseada na liberdade formal, na colagem de referências de várias fontes, sejam as nossas próprias tradições culturais brasileiras, seja o esprit nouveau europeu. Navette bisotada pela presença de nossos valores e da nossa natureza, reagindo contra um racionalismo estrito e restrito que europeus e norte-americanos faziam nas primeiras décadas do Século XX. Por sua alegria e criatividade, Pampulha influenciou a arquitetura internacional que se fez a partir dela. Recuperou a emoção em meio a tanta razão.

Museu de Arte da Pmapulha | Foto: Jomar Bragança
Museu de Arte da Pmapulha | Foto: Jomar Bragança

Uma jóia precisa de solo e de homens. O solo, virgem de prédios, prenhe de águas, foi a mina onde Kubitscheck, em 1940, imaginou um conjunto de edifícios em torno de um lago para lazer e cultura, habitação em novos padrões, uma “cidade jardim”, trampolim da cidade para o mundo. O solo, cheio de possibilidades paisagísticas, sob a abóbada celeste, propiciou a conjuração de várias formas de expressão artística em um todo integrado, onde a tecnologia construtiva e a linguagem específica de cada modalidade artística – arquitetura, paisagismo, pintura, escultura, cerâmica – se integram e se relativizam em função da expressividade do todo.  Para este empreendimento único, reuniram-se alguns dos principais artistas brasileiros do Século XX, à benção, Oscar Niemeyer, Roberto Burle Marx e Cândido Portinari. Solo e gente. Minas.

Hoje, ao se apresentar como Patrimônio da Humanidade, o Conjunto Moderno da Pampulha faz brilhar seu grande significado para as gerações presentes e futuras de todo o mundo, apresentando-se como um marco vivo, íntegro e autêntico da História da Arquitetura mundial e da História brasileira e das Américas. Modestamente, mas não mais com tanto recato.

*Flávio Carsalade é Arquiteto Urbanista e coordenador técnico do dossiê de candidatura, junto a UNESCO, do Conjunto Moderno da Pampulha como Patrimônio da Humanidade.

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